"Constantina – O Processo é a Mensagem" [BR]

Por Julio Pattio, Autogenesis Magazine

Quais são os sentidos de uma obra feita a partir das sensibilidades humanas? Onde é possível procurar pelos propósitos que motivam um artista a criar e comunicar? É possível aproximar-se dessas criações como se fossem textos abertos, formados por um plano transparente e por um objetivo claro? Diante dessas perguntas, somos normalmente levados a escolher entre a forma e o conteúdo da obra e a partir daí derivamos conclusões estéticas tendo como base as intenções pressupostas do artista, que ao fim não são nada mais do um reflexo fraco sobre a superfície de nossos próprios egos.

 Vejo-me confrontado a essas questões ao ouvir Atrópico, último álbum do grupo instrumental de Belo Horizonte, Constantina, sendo lançado 16 anos após o inicio da banda. Ao invés de oferecer notas pessoais sobre as quatro faixas que formam o álbum em quase 40 minutos, e são agora lançadas pelo selo La Petite Chambre Records, vou especular sobre alguns possíveis sentidos desse lançamento, tendo em vista a história da banda.

 Atrópico não oferece uma síntese da trajetória do grupo, tampouco serve de totem representando o ápice do grupo em mais um estágio de maturidade. Nenhuma ambição de fazer-se uma leitura inequívoca aqui. Atrópico é ao mesmo tempo um e vários e acomoda-se quase que organicamente com os álbuns anteriores. O que mostra uma das características mais marcantes do grupo, ou ao menos um traço sem dúvida bem característico: as relações que cruzam e entrelaçam-se no grupo através do espaço/tempo contínuo. Porque, quando se trata do Constantina, o processo é a mensagem.

 Exatamente por isso não faz muito sentido simplesmente escrever sobre a honestidade das canções ou mesmo em insistir como o grupo, em um puro ato de relacionalidade, conta uma história que é ao mesmo tempo possível, coletiva e aberta à criatividade de decisões tomadas no ato, entrelaçada com os movimentos de improvisação. Seria melhor celebrar como a banda consegue animar temporalidades múltiplas, cruzando biografias e amalgamando diferentes modos de existência.

 Um dos significados possíveis para a palavra atrópico, refere-se à sua posição marginal, fora dos trópicos. Ao invés de encenar essa posição marginal como a aceitação silenciosa do excluído, os seis integrantes da Constantina alinham seus discursos pessoais em um horizonte de estratégias sonoras de coletividade, fazendo com que cada margem se torne o centro. Assim, é tamanha a energia que se irradia dessas canções que poderia apenas ser associada com a fundamental, primeva força da vida. Ouve-se um exemplo nesse sentido ao final da faixa “Ensinando a ser sombra”, que serve não apenas para desvelar um pouco a subjetividade dos integrantes, por intermédio de suas vozes, que autoriza o breve olhar que mira a alma, mas que também deveria ser ouvida como se fosse ao vivo, com o eco ressonante de todas as vozes da audiência, desfazendo limitações temporais para revelar-se como um gesto ao outro.

 Tentar atribuir um sentido único a esse álbum seria um exercício fútil. Atrópico não se mantem sozinho, e não poderia ser diferente. A força que permite o diálogo contínuo entre os diferentes álbuns do Constantina reflete os laços que os membros do grupo (membros atuais ou passados) entretêm um com os outros. Melhor seria talvez ouvir esse álbum como quem ouve os sussurros de milhares de estórias sendo contadas, de várias biografias que finalmente são compartilhadas, de dias carregados de dor, de experiências de beleza tão forte que exigem ser compartilhadas, de hábitos diários e rituais sendo vividos simultaneamente. Talvez aí sim, será possível nos colocarmos em posição de vislumbrar como o grupo consegue transformar a multiplicidade de suas (de nossas?) histórias/estórias em um universo de harmonia, dissonância e de uma multiplicidade de estados que desafiam o reducionismo de alguém que simplesmente diria: a música deles é tão linda, ou tão cinemática. Não, a música deles é matéria viva. E isso é suficiente para que continuem.